
MEMÓRIAS DO MOINHO
Um pouco de história
Dominando o alto de um dos cerros que envolvem a cidade de Santiago do Cacém, no local denominado Cumeadas, o Moinho Municipal da Quintinha é o último testemunho vivo da antiga cintura moageira pré-industrial que, em tempos, com os seus doze moinhos de vento, muito contribuia para a alimentação dos habitantes da região, fornecendo-lhes a farinha para o fabrico do pão de trigo e para as papas de milho, por aqui tão apreciadas, especialmente no inverno.
Desconhecemos a data em que o moinho foi construído, sabemos ser anterior a 1813, ano em que já contribuía para os cofres do estado, com o pagamento da “décima”, imposto a que estava obrigado.
Registado em 1871, esteve no ativo até 1966 a moer cereais e a descascar arroz, à época, ainda efetuado nos moinhos de vento e de água, apesar da concorrência de algumas unidades industriais já instaladas na vila.
Adquirido pelo município em 1970, o moinho, foi alvo de uma importante obra de restauro e reabilitação em 1982, orientada por José Reis, seu antigo moleiro, desempenhando, à data, a função de moleiro municipal.
Em 1993 José Reis, devido a problemas de saúde, é substituído pelo seu irmão Manuel Reis, também ele um antigo moleiro, vindo este, a orientar uma nova intervenção no moinho.
Desde 1982 que este monumento às técnicas ancestrais de moagem, mantém as portas abertas a quem o queira visitar. A moagem tradicional dos cereais, a cargo do moleiro municipal, só tem sido interrompida nos períodos críticos, em que o moinho, por razões de segurança, aguarda alguma importante obra de reabilitação.
Em 2006, a autarquia, de forma a garantir a continuidade da arte de fazer boa farinha, contratou para o moinho Jorge Fonseca, para aprender com o mestre moleiro Manuel Reis, o que aconteceu até 2011, ano em que este se reformou.
Jorge Fonseca, é atualmente o moleiro municipal, que simpaticamente, recebe todos os visitantes e lhes mostra como domina aquela máquina ancestral que continua a produzir excelente farinha, recorrendo à energia do vento.
Tipologia
O Moinho da Quintinha, corresponde à tipologia dominante dos moinhos de vento do Litoral Alentejano.
Edifício de torre tronco-cónica costruída em alvenaria de pedra e cal, é composto por três pisos. O piso térreo, destinado à armazenagem de cereais e farinhas e à limpeza final do grão, através do crivo e da bandeja, habilmente manejados pelo moleiro.
O atarracado piso intermédio, designado por soto (sótão), onde se localiza o urreiro e que funciona como espaço de arrumação, sendo também o local onde o moleiro, quando trabalhava de noite, dormitava um pouco, entre cada tegão de cereal despejado.
O terceiro e último piso, denominado sobrado, onde se localiza o casal de mós, o tegão do cereal, a aliviadora e o sarilho, é o local onde se processa a transformação dos cereais em farinha.
O capelo (cobertura do moinho) é cónico e rotativo, sendo acionado através de tração, por meio de um sarilho interior, permitindo ao moleiro orientar o moinho ao vento, guiando-se pela orientação dada pela seta do catavento.
O mastro, localizado no capelo, leva dois conjuntos de quatro varas, sendo o primeiro ligeiramente avançado face ao segundo, onde são colocadas quatro velas latinas, espias, travadoiras e búzios.
O vento ao ser captado nas velas, coloca em movimento rotativo o mastro, que tem uma inclinação aproximada de 12º, e aciona interiormente a grande roda de entrosga a ele ligada que, por sua vez, engrena no carreto, cujo veio vertical, encaixado na segurelha, aciona diretamente a mó andadeira, fazendo-a girar sobre a mó fixa, esmagando assim os cereais, transformando-os em farinha.
Este, tal como os outros moinhos das Cumeadas, apresenta uma característica que difere da maioria dos moinhos do concelho e da região. Trata-se da existência de duas portas, sendo uma orientada a Este e outra a Oeste. Deve-se este facto, à ocorrência de ventos de quadrantes distintos, com os quais o moinho pode trabalhar.
Assim, de acordo com a orientação do vento, se este soprar entre o Norte e o Oeste, por razões de segurança, uma vez que o velame está a rodar de frente para o vento, é a porta Nascente que está de serviço. Se o moinho estiver a trabalhar com vento Sul ou de Leste, a porta de seriço é a que está orientada a Poente, ou seja, é sempre a porta contrária ao vento.
Fazem ainda parte do sistema de segurança do moinho, os tradicionais búzios de cerâmica que, ao rodar, têm por missão, produzir um som “o cantar do moinho” que alerta o moleiro para a variação da velocidade do vento. Se o som diminui, o moleiro tem que dar mais roupa ao moinho, desenrolando mais as velas, se o som aumenta, retira pano, enrolando um pouco as velas nas varas.
No tempo em que o moinho trabalhava de noite, para o moleiro puder aproveitar ao máximo o vento, o som produzido pelos búzios, avisava pessoas e animais para que no escuro da noite, não se aproximassem, evitando assim, graves acidentes.
Importância local, nacional e europeia
Funcionando como “museu vivo” o Moinho da Quintinha é parte integrante da “Rota dos Museus do Município”.
Ao nível local, é o digno representante do património molinológico concelhio, que conta ainda com um elevado número de moinhos de vento e de água, subdivididos por diversas tipologias, embora inativos e degradados, na sua grande maioria.
Como moinho-escola, teve um importante papel no período compreendido entre 1998 e 2008, na formação de novos moleiros.
Através da Câmara Municipal, o moinho integra a Rede Portuguesa de Moinhos, a Sociedade Internacional de Molinologia e faz parte do Roteiro dos Moinhos da Europa, através do projeto Euromills.
A reabilitação de 2017
Os moinhos de vento, pela sua localização no alto dos cerros, são muito fustigados pelos elementos naturais, como o vento a chuva e o sol, tal como pelo desgaste sofrido nos seus mecanismos de madeira. Devido a estes factos, por períodos indeterminados de tempo que podem variar entre 10 e 20 anos, têm de ser sujeitos a obras de reparação e manutenção, mais ou menos profundas.
O Moinho da Quintinha, já não apresentava as devidas condições de segurança, devido a uma grave fissura no antigo mastro, entre outras patologias.
No final de 2016, o Município adjudicou a uma empresa especializada, as obras necessárias, que terminaram em março de 2017 e constaram das seguintes reparações:
Substituição do antigo mastro deteriorado, por um novo em madeira de tali, executado por um mestre, carpinteiro naval. Substituição das 8 varas e dos antigos cabos de aço, por cordame novo, repondo o valor estético e etnográfico de outrora. Substituição de todas as madeiras do sobrado, ou seja, o pavimento da sala de moagem. Construção de uma nova escada de lanço único, em madeira, com menor inclinação que a anterior, por isso mais segura. Construção de um varandim em madeira, no 3º piso, para proteção do vazio da escada, substituição de todas as rodas que permitem a rotação do capelo e pintura interior do moinho, num investimento que rondou os trinta e dois mil euros, sendo os serviços de grua e transportes pesados, assegurados por meios próprios do município.
A partir do dia 7 de abril de 2017 (Dia Nacional dos Moinhos), os munícipes interessados em moer os seus cereais pelos métodos tradicionais, passaram novamente a poder deslocar-se ao moinho com o seu cereal, para ser transformado em farinha, sendo-lhes cobrado pelo serviço prestado, a tradicional maquia, que corresponde a 10% do cereal entrado no moinho.
O cereal correspondente á maquia, tal como algum milho e trigo adquiridos pelo município, destinam-se à produção de farinhas para alimentação dos patos do Parque Urbano do Rio da Figueira.
Santiago do Cacém, voltou a ter velas brancas no horizonte e a ouvir a sinfonia do vento no cantar dos búzios.
José Matias
Divisão de Cultura e Desporto da Câmara Municipal de Santiago do Cacém
Web design - Pedro Soares
Bibliografia:
MATIAS, José (2017) - Moinho da Quintinha, o Despertar do Gigante, Revista Alentejo nº 42. Lisboa: Casa do Alentejo. ISSN 1645-9768. p 16 - 17
MATIAS, José (2002) - Moinhos de Vento do Concelho de Santiago do Cacém. Lisboa: Edições Colibri & Centro de Estudos Documentais do Alentejo. ISBN 972-772-347-0
